Ele se deitou ao lado dela. Contrariando seus princípios e confuso de sua vontade, cogitou dormir no sofá. Mas os cabelos dela cheiravam bem (cheiro do seu próprio xampu) e fazia tempo que não conhecia outro calor senão o do edredom azul. Ficou. Ficou mas virou-se para o outro lado. Ela estranhou a televisão ligada, mas preferia o som do desenho animado ao tambor que tinha dentro do peito. Estavam com muito frio. Ou pelo menos deviam estar, afinal ambos tremiam. Não entendiam porque apenas as mãos eram quentes.
Ela recostou sua cabeça no ombro dele e apoiou a mão - que pulsava sozinha - naquele peito gelado. Deu o sinal, ele entendeu e virou-se. Sua mão também pulsava, não obedecia mais às regras que ele estabelecera há anos. Então as duas se encontraram; e ferveram de tanto calor, de tanta vontade uma da outra. Os olhos fechados denotavam o medo de encarar os fatos. Mas como que se tivessem ensaiado, abriram-se juntos, olhos e corações. Na verdade os dois não sabiam dizer se tinham se aberto juntos ou se o outro, já de olhos abertos, admirava um sono fingido. O fato é que eram dois pares de olhos se encontrando. Um dos pares parecia querer se fechar de vergonha, enquanto o outro negava a genética e forçava para abrir. Ora, se os olhos deram permissão e a respiração ofegante denunciava o desejo, não havia razão para que a boca fugisse.
Ele e Ela foram Eles. O Singular pensava sozinho, forjava indiferença, mentia pro ego, mas no Plural era impossível esconder qualquer coisa que valha. Durou o suficiente. Mesmo quando tudo indicava ser melhor enquanto estavam juntos, foi um duelo. Um duelo gramatical, diriam mais tarde, em que o tempo verbal de um era diferente do outro. Ele sempre tentava conjugá-los no futuro do presente, ou pior ainda, no do pretérito. 'Você sofreria mais...' O tempo pretérito era perfeito, mas ela insistia em acreditar que podia ser imperfeito - estava no seu direito, iria respeitá-lo. Afinal quando é perfeito acaba logo. 'Eu gostei de você.'
Ela tinha certeza de que os outros dias seriam iguais ao primeiro. Não foram. Os sujeitos não concordavam. Mas é certo que nem ele, nem ela ignoram a primeira vez que as mãos ferveram juntas. Continuam singulares, forjando a mesma indiferença, crentes que o outro está de olhos fechados. Mas não.
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